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Seedcast em Português: Prévia do Acampamento Terra Livre com Dinamam Tuxá

April 24, 2024 Nia Tero
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Seedcast em Português: Prévia do Acampamento Terra Livre com Dinamam Tuxá
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“Os povos indígenas que querem o seu território demarcado para a proteção da sua própria vida automaticamente protegem a vida da humanidade.” Dinamam Tuxá (Povo Tuxá, Brasil) 

  

O Brasil abriga uma enorme parte da biodiversidade global. É, também, um dos lugares mais perigosos do mundo para os defensores ambientais — mas também está sob a guarda de centenas de poderosas nações indígenas.  

 

Esta semana, milhares de povos indígenas de todo o Brasil estão reunidos na capital do país, Brasília, com ousada esperança no futuro para compartilhar cultura, celebrar e exigir seus direitos a suas terras e a seus modos culturais. Esse encontro — o Acampamento Terra Livre (ATL) — já acontece há 20 anos.  

  

Para celebrar o 20º aniversário do ATL, nossos produtores do Seedcast estarão em Brasília. Hoje teremos uma visão prévia do Acampamento Terra Livre com Dinamam Tuxá, do Povo Tuxá, aqui no Seedcast. Advogado e ativista social indígena, Dinamam é assessor jurídico da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) e coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). AAPIB é uma articulação de todos os povos indígenas do Brasil que fortalece, unifica e mobiliza os povos indígenas para promover e defender seus direitos. A APIB também organiza o Acampamento Terra Livre.  

  

Dinamam se junta a nós numa conversa com Ha'aheo Auwae-Dekker (Kanaka Maoli).  

  

Agradecimentos especiais aos colegas da Nia Tero Maria Fernanda Ribeiro, Nara Baré e Leslie Benzakein. 

  

Apresentação: Ha'aheo Auwae-Dekker, Marianna Romano, Idjahure Kadiwel 

Produção, tradução e mixagem de áudio: Marianna Romano  

Produção adicional: Jenny Asarnow, Idjahure Kadiwel 

   

Saiba mais sobre a APIB: 

Seedcast is a production of Nia Tero, a global nonprofit which supports Indigenous land guardianship around the world through policy, partnership, and storytelling initiatives.

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Seedcast em Português: Prévia do Acampamento Terra Livre com Dinamam Tuxá
Seedcast, temporada 4, episódio 4
Data de divulgação: 24 de abril de 2024 

Música-tema [00:00:17] (em inglês)  

Marianna Romano [00:01:11] Olá, meu nome é Mariana Romano.   

Idjahure Kadiwel [00:01:14] E eu sou Idjahure Kadiwel.   

Marianna [00:01:16] E eu estou aqui hoje de volta no Seedcast para trazer a versão em português do nosso episódio com o advogado e ativista Dinamam Tuxá. Esse episódio foi produzido a partir de uma entrevista que Ha’aheo Auwae-Dekker fez com o Dinamam Tuxá em março de 2024, em preparação para o Acampamento Terra Livre desse ano, que vai acontecer no fim de abril. Eu vou ler aqui a tradução do texto de apresentação original do episódio em inglês: “Defender a floresta tropical é uma parte grande de duas questões que acompanhamos de perto aqui no Seedcast: a mudança climática e os direitos dos povos indígenas aos seus territórios. Grande parte da Floresta Amazônica está no Brasil, e, aqui no Seedcast, a gente passa muito tempo no Brasil. É um dos lugares mais perigosos do mundo para os defensores do meio ambiente, mas também é um lugar guardado por centenas de comunidades poderosas — e um país com um recente Ministério dos Povos Indígenas. E em algumas semanas, milhares de povos indígenas de todo o Brasil se reunirão com ousada esperança para o futuro. Eles vão se conectar na capital do país, em Brasília, para compartilhar cultura, celebrar e exigir seus direitos às terras e aos seus modos culturais. Esse encontro é chamado Acampamento Terra Livre (ou ATL) e está acontecendo há 20 anos. Para comemorar, hoje a gente está tendo uma prévia do Acampamento Terra Livre, com o Dinamam Tuxá. Dinamam é advogado e ativista social indígena. Ele é coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, também conhecida como APIB. A APIB é uma colaboração de povos indígenas de todo o Brasil para promover e defender seus direitos. A APIB também organiza o Acampamento Terra Livre, e o Dinamam também é assessor jurídico da APOINME. Ele faz um trabalho importante para os povos indígenas no Brasil. Bem-vindo, Dinamam.   

Dinamam Tuxá [00:03:24] Olá a todos e a todas, meu nome é Tuxá. Primeiramente, agradecer a oportunidade de estar conversando nesse podcast e principalmente da possibilidade que nós temos de falar um pouco das lutas dos povos indígenas aqui no Brasil. Acho que, primeiramente, antes de... afirmar que, hoje no Brasil, nós somos aproximadamente mais de 1 milhão de indígenas falantes de 274 línguas, com 305 povos. Mas como todos sabemos, tivemos grandes avanços. Porém, os desafios ainda são enormes para que a gente consiga ter o nosso bem-viver, como é dito aqui nas comunidades indígenas, principalmente, termos nossos territórios demarcados, livres de qualquer ameaça. E dentre... dessas ameaças que nós estamos sofrendo, há instituições da estrutura do Estado brasileiro que nos ameaçam, principalmente projetos de lei que atacam o direito dos povos indígenas e, consequentemente, aumentando a violência dentro dos territórios. Diante desse cenário de vulnerabilidade, principalmente de muita violência promovida por agentes públicos, os povos indígenas se sentiram provocados a fazer diversas incidências em Brasília. E diante disso, nós iniciamos um processo de acampamento na capital federal para, justamente no mês de abril, que é o mês dos povos indígenas, a gente dar visibilidade às questões e às mazelas que os povos indígenas vêm sofrendo dentro do território.  

Idjahure [00:04:58] O Acampamento Terra Livre é uma manifestação política ocorrida em Brasília no mês de abril. Articulada por um conjunto de organizações indígenas de todas as regiões do país, tem reunido anualmente milhares de representantes de povos originários do Brasil e também de outros países. Surgido em 2004, a partir de uma ocupação realizada por povos indígenas do sul do país, o acampamento foi logo aderido por lideranças e organizações indígenas das demais regiões. As reivindicações incluíam a demarcação das terras indígenas, a criação de um Conselho Participativo de Política Indigenista e o combate à invasão dos territórios e à violência contra os povos indígenas. A mobilização abriu caminho para a criação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a APIB, no ano seguinte. Por meio de uma programação de debates, eventos culturais, plenárias e protestos, seu contínuo propósito tem sido a mobilização pelo cumprimento dos direitos civis, sociais e originários dos povos indígenas do Brasil — direitos esses que foram garantidos formalmente na Constituição de 88. Nossos povos, assim, têm marchado por políticas públicas que atendam nossas necessidades nas áreas de educação, saúde, cultura, bem-viver e pela defesa e demarcação de nossos territórios tradicionais. O tema da mobilização de 2024, a vigésima edição do evento, é: Nosso marco é ancestral: Sempre estivemos aqui. O tema foi escolhido diante da derrubada do chamado marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal e da aprovação da Lei 14.701, no ano passado. Lideranças indígenas têm chamado esta lei de Lei do Genocídio, pois, na prática, legaliza a tese do marco temporal ao estipular um prazo de validade para a reivindicação de povos indígenas a seus territórios tradicionais, promovendo, também, diversos crimes contra nossos povos. Nossos direitos são originários: precedem a existência do Estado brasileiro. Precisam apenas ser respeitados. Nosso marco são nossos ancestrais. Nunca houve descobrimento. Sempre estivemos e sempre estaremos aqui.  

Ha’aheo [00:07:44] Can you explain to me what does it mean to demarcate land?   

Marianna [00:07:49] Você consegue me explicar o que é que significa demarcação de terra?   

Ha’aheo [00:07:52] And why does that matter?   

Marianna [00:07:54] E qual é a importância disso?   

Dinamam [00:07:56] Tem um ditado aqui no Brasil que nós, os povos indígenas, sempre, sempre cita (sic) e trazemos como lema de vida: que índio — indígena — é terra, não dá para separar. E para que nós tenhamos a nossa reprodução sociocultural, socioambiental e socioeconômica, nós precisamos ter o nosso território demarcado. A demarcação representa a nossa vida e o futuro dos povos indígenas; e, consequentemente, o reflexo das nossas contribuições em termos de proteção das áreas demarcadas ou em vias de demarcação é o que está contendo e que contribui para conter os efeitos das mudanças climáticas e do aquecimento global. São os povos indígenas que querem o seu território demarcado para a proteção da sua própria vida automaticamente protegem a vida da humanidade.   

Ha’aheo [00:08:52] This might seem like a silly way to introduce this question...   

Marianna [00:09:08] Olha, isso pode parecer uma maneira meio boba de introduzir essa pergunta, mas, de onde eu sou, no Havaí, eu acho que quando você fala sobre isso, essa crença de que as pessoas são a terra, isso realmente ressoa em mim. Como alguém que vem de uma ilha indígena, eu penso na história de onde eu venho, lá no Havaí.  

Speaker 1 [00:09:29] Our eldest brother in our stories is the kalo, which is a type of taro root plant.   

Speaker 2 [00:09:38] Nosso irmão mais velho em nossas histórias é um tipo de planta, uma raiz de taro. Ele nasceu como um natimorto deformado.   

Ha’aheo [00:09:46] And the gods planted him in the ground and he became the root that...  

Speaker 2 [00:09:50] E aí os deuses plantaram ele no chão e ele se tornou a raiz que a gente come. Então, a gente sabe que ele é nosso, que ele é nossa família. E, assim, por extensão, a terra é a nossa família. E, no Havaí, a palavra original para a terra — āina — também significa família. Então minha pergunta para você é: que terra você chama de sua família? De que terra você é, e quem é seu povo?   

Dinamam [00:10:17] Bom, eu sou do povo Tuxá. Eu venho da região extremo norte da Bahia. A minha terra indígena se chama Zurubabel, um território tradicional do povo Tuxá, que foi impactada por um grande empreendimento na década de 80: a construção de uma hidrelétrica. E hoje ainda lutamos para readquirir o nosso território tradicional. Então, quando nós falamos de território, quando nós falamos de terra, isso é muito forte para mim, porque eu nasci na fase de transição. Meu povo era um povo que tinha território e, devido à ação do homem, à ação do governo, nós perdemos nosso território tradicional. Então, isso impacta muito, porque foi algo que motivou, inclusive, eu estar na militância, e eu estar hoje ocupando o cargo de coordenador executivo de uma grande articulação — justamente para assegurar que outras comunidades indígenas não sofram o que meu povo vem sofrendo ao longo desses 35 anos.   

Ha’aheo [00:11:21] What brought you to the work that you do now?   

Marianna [00:11:23] E o que te trouxe para o trabalho que você tem agora? Quem foram os mentores na sua vida? O que te trouxe a essa jornada que você está agora?   

Ha’aheo [00:11:33] What brought you to the journey that you are in now?   

Dinamam [00:11:36] Olha, o meu povo foi (por dizer) o pontapé inicial, mas na minha trajetória de vida muitas pessoas cruzaram e que foram inspiração também para ingressar na militância. Eu tenho grandes referências, como uma mulher guerreira que coordenou a APOINME, Maninha Xukuru. Foi uma das mulheres que se destacou no movimento indígena pela sua forma aguerrida de lutar contra os retrocessos e contra a violação dos direitos dos povos indígenas. Eu tenho outra referência de uma liderança que foi assassinada, o Xicão Xukuru, também, na luta pelo território. Dentre outros nomes, a própria Sônia Guajajara, que eu tive o prazer de ser coordenador quando ela também estava na APIB. Então, nós atuamos por mais de nove anos de forma conjunta, então, assim, tenho grandes referências e, evidentemente, eu cresci dentro do movimento indígena e, antes do movimento indígena, muito pautado para ser uma liderança e para fazer a defesa dos povos indígenas, não só do meu povo. Então, eu venho de uma linhagem de guerreiros que sempre atuaram nos 36 anos. Desses 33, 36 anos, 17 eu tenho feito o enfrentamento aí, atuando no movimento indígena.   

Ha’aheo [00:12:59] This is just a fun question, like what is your favorite...   

Marianna [00:13:03] Essa é só uma pergunta divertida: qual é um dos seus momentos favoritos do Acampamento Terra Livre?   

Dinamam [00:13:08] Eu estou rindo porque são vários, né? Eu tenho uma memória... quando a gente ocupou o plenário do Congresso Nacional, o plenário Ulisses Guimarães, onde ficam os deputados, e foi um momento que retrata a nossa luta por ocupar espaço — porque eles não aceitaram nossa presença no Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, o medo que eles tiveram, assim, achando que a gente era uns selvagens que estavam entrando ali para quebrar tudo. E, na verdade, nós entramos de forma pacífica, ordeira, não quebramos nada, não sujamos nada, só passamos as nossas mensagens que nós precisávamos ser ouvidos. E o Congresso brasileiro, naquele momento, entendeu a importância, entendeu que os povos indígenas também eram sujeitos de direitos. Mas eu acho que é um momento, em 2013, é um momento que eu acho que retrata bem a luta dos povos indígenas por ser ouvidos, que é o mínimo, né, e o Congresso brasileiro naquele momento não queria nos escutar.   

Marianna [00:14:09] Uau, isso é demais! Eu fico me perguntando se você tem algum pedaço de sabedoria que você aprendeu com os outros durante esses anos no ATL.   

Speaker 4 [00:14:20] Olha, o acampamento é um espaço, hoje, eu acho que mais diverso em termos de mobilização a nível nacional, até internacional. Nas últimas edições, na última edição, por exemplo, se somaram 168 povos, 8 mil indígenas e 168 povos diferentes. Cada um tem seu canto, cada um tem sua dança, cada um tem sua língua, cada um tem sua organização social. Mas em termos de aprendizagem, eu acho que o acampamento, o que ele traz para todos é um momento em que nós também trocamos os saberes: sementes crioulas, né, sementes tradicionais de milho, de mandioca, batata. Então, é um momento de troca, é o que os povos indígenas sempre fizeram, né, a troca de saberes para melhorar a produção, como também para melhorar as questões espirituais.   

Ha’aheo [00:15:21] Wow, I can’t even imagine that...  

Marianna [00:15:24] Uau, é impossível imaginar isso. Eu acho que minha mãe foi a pessoa que me ensinou todas as coisas que eu sei sobre medicina tradicional e as formas tradicionais do meu povo. E aprender isso com 8 mil pessoas parece muito incrível para mim.   

Ha’aheo [00:15:39] Eight thousand people sounds so amazing...   

Marianna [00:15:44] Com essa quantidade de pessoas, devem ter tantos tipos de organizações diferentes que você deve ver. Quais são alguns movimentos populares, circunstâncias políticas e desafios que são relevantes para os povos indígenas no Brasil nesse momento?  

Ha’aheo [00:16:00] And things that you’d like to highlight.   

Dinamam [00:16:02] Como eu disse anteriormente, nós vivemos inúmeros desafios, dentre eles, né, a gente derrubar de vez a tese do marco temporal que querem limitar os direitos dos povos indígenas aos seus territórios a 1988. Nós temos o desafio de, apesar de a gente ter conquistado um espaço no Executivo com o Ministério dos Povos Indígenas, nós precisamos de fortalecimento da FUNAI, nós precisamos de orçamento, nós precisamos que o governo, de fato, sinalize para a demarcação das terras indígenas. A promessa que foi feita foi que seria demarcado o maior número de terras possíveis até o fim da gestão. Mas, infelizmente, até agora, apenas oito terras foram demarcadas e nós aguardamos e esperamos que se concretize diante do cenário de violência que nós estamos vivenciando. Então, nós temos a morte da Pajé Nega que luta pelo seu território. Nós tivemos outras mortes por falta de fiscalização, falta de políticas públicas. Infelizmente, se não demarcar, a tendência e aumentar os conflitos socioambientais, a tendência é aumentar o desmatamento, a tendência é ter mais lideranças sendo assassinadas pelas grandes corporações, pelo agronegócio, pelas madeireiras e, principalmente, pelo garimpo ilegal.   

Ha’aheo [00:17:21] So, what I’m hearing is that marco temporal is...   

Marianna [00:17:25] Então, o que eu estou entendendo é que o marco temporal é uma lei que só deixaria os povos indígenas reivindicarem terras que ocupavam no final da década de 80. Mas, isso depois de séculos de colonialismo e sofrimento que lhes foram impostos aos povos indígenas dessas terras.  

Dinamam [00:17:45] O marco temporal, na verdade, ele só quer reconhecer as terras indígenas que foram demarcadas ou reivindicadas até 1988. Se os povos indígenas não estavam lá no território até 1998 — 88, desculpa — ele não faz... ele não terá mais direito ao seu território tradicional. Ou seja, esquecendo de todo o apagamento histórico, de toda a violência que os povos indígenas sofreram ao longo dos anos, das remoções forçadas — que foram obrigados a sair de seus territórios tradicionais. Então, eles querem apagar, né? Nós, no Brasil, falamos que o marco temporal é uma máquina de moer a nossa história.   

Ha’aheo [00:18:25] I guess my question is, like, what do those conversations look like at ATL...  

Marianna [00:18:31] Como é que essas conversas se apresentam no ATL? Essas conversas realmente difíceis sobre como abordar os governos coloniais que infligiram sofrimento às pessoas. Como é isso?  

Ha’aheo [00:18:44] What does that look like?   

Dinamam [00:18:46] Bom, dentro do acampamento nós temos eixos temáticos, em que fazemos discussão: território, saúde, educação. Tem dia que nós pautamos (atrás) na discussão as pautas das mulheres, da juventude, do LGBTQIA+. Enfim, nós estamos divididos por dias e por eixos, né, mas sempre focado nas nossas manifestações, que nós fazemos — marchas também, durante o acampamento, para os órgãos, direcionadas aos órgãos, ou marchas, também, que simbolizam o nosso marco de luta. Então a gente também passa uma mensagem nas nossas marchas. No ano passado, nós decretamos emergência climática: já que o governo não faz nada, os povos indígenas está (sic) fazendo e querem fazer mais. Então, nós declaramos emergência climática. Esse ano, nós estamos fazendo a Marcha pela Terra. Esperamos que consigamos dar visibilidade e a importância da demarcação das terras indígenas. Então, o nosso acampamento, para além de ser um espaço de discussão política, nós fazemos incidência política e também fazemos mensagens políticas para o mundo. Nós, no longo desses 20 anos, já fizemos várias incidências. Infelizmente, em algumas das nossas incidências, houve confronto com a Polícia Militar; e esses confrontos, geralmente, os povos indígenas é que são mais afetados. Então, o acampamento é um momento de articulação e mobilização, de fato, mas também é um momento que nós passamos a nossa mensagem direta para os três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.  

Ha’aheo [00:20:28] Wow! Ok, so that’s...   

Marianna [00:20:32] Bem, então o ATL esse ano está fazendo 20 anos. O que você espera que aconteça esse ano para além do que você acabou de falar? Que tipo de conversas acontecem, e quais problemas vocês enfrentam em comum? O que a gente pode esperar de um Acampamento Terra Livre.   

Ha’aheo [00:20:48] What else can we expect from Acampamento Terra Livre?   

Dinamam [00:20:52] Eu acho que esse é o momento... esse acampamento também vai ser um momento de reflexão e avaliação do próprio ministério que está ali, que vem com a missão de tentar articular e implementar políticas públicas para dentro dos territórios indígenas. Nós vamos fazer uma avaliação também da Secretaria de Saúde — Secretaria Especial de Saúde Indígena — da própria FUNAI, e estar buscando meios de estar fortalecendo nossas instituições. Então, esse acampamento, ele tem essa, essa altivez, essa articulação política de, não só de incidência, mas também de fazer essa avaliação, de cobrar a implementação de políticas públicas; mas também vai ser um acampamento que nós vamos poder... festejar ou comemorar, de certa forma, os 20 anos. São 20 anos que, nós podemos dizer, de muita luta e de muitos ganhos; 20 anos de muitas conquistas, que precisa, sim, ser lembrado e relembrado por todos. Porque ali é o acampamento da diversidade dos povos e de luta.   

Ha’aheo [00:22:01] I’m just indulging myself with this question...  

Marianna [00:22:05] Eu vou me permitir aqui, com essa pergunta: Qual é a sua maneira favorita de celebrar, assim? Me fala, tem alguma coisa divertida que você faz, alguma tradição, momentos de alegria?  

Dinamam [00:22:17] Tem... o acampamento, ele é sempre muito regrado, com muitos cantos e danças, dos diversos povos que estão no acampamento. Então, nosso momento de celebração também é esse momento de externar a nossa cultura, de poder compartilhar essas formas de danças, de cantos, de artesanatos, também, que várias artes são apresentadas ali. São vários tipos de artesanato. Isso é a cultura viva, né? Então, nós comemoramos promovendo cultura. Então, a nossa alegria é poder estar compartilhando, também, um pouco da nossa cultura, do nosso dia a dia dentro das terras indígenas, que não é só luta, que não é só sofrimento: é festa também.   

Ha’aheo [00:23:04] If you are comfortable, is there a song or a chant from...   

Mariana [00:23:05] Se você se sentir à vontade, tem alguma música ou canto do Acampamento Terra Livre que você gostaria de compartilhar com a gente hoje?   

Dinamam [00:23:16] Então, claro, vou te dar um canto aqui... vocês não vão entender, né? Mas eu vou assim mesmo e ver no que dá... (canto) e aí vai.  

Ha’aheo [00:23:46] And so on... Who does that chant belong to? What people and what land?   

Marianna [00:23:54] E de quem é esse canto? É de que povo, de que terra.   

Dinamam [00:23:57] Olha, esse é um canto muito comum na língua dos Dzubucuá. Então, é muito comum dos povos indígenas que habitam a bacia do Rio São Francisco, a calha da bacia do Rio São Francisco. Então, é um canto muito comum entre vários povos: não é um específico, assim, são vários povos de uma região específica da região Nordeste.  

Ha’aheo [00:24:46] And what does that chant mean?   

Marianna [00:24:19] E o que esse canto significa?   

Dinamam [00:24:21] Olha, é um canto que nós utilizamos geralmente para... exatamente para promover festividades, assim, quando a gente está num momento de luta e de festividade. Como eu poderia explicar? Quando a gente fala de cosmovisão, de mundo e de cultura, a gente acaba nem conseguindo externar isso; mas, quando nós cantamos, existem cantos de diversas situações. Nós temos cantos fúnebres, nós temos cantos de festividade, nós temos cantos de luta; e esse canto é o tipo de canto que pode ser utilizado tanto para festividade quanto para preparação para ir para uma marcha, para ir para uma luta, para ir para um enfrentamento, né? Então, por isso que ele é muito comum, porque alguns povos utilizam para festividade, outros povos utilizam para a preparação de uma luta — então é muito relativo também. Mas, o que está por trás disso, da maioria dos cantos, é o fortalecimento espiritual, principalmente, seja para a festividade, ou seja para a luta.   

Ha’aheo [00:25:21] I wonder, like, what can...   

Marianna [00:25:24] Eu me pergunto o que pode eu, como uma pessoa jovem, indígena, mas o que podem todos aprender com a luta indígena do Brasil?   

Dinamam [00:25:35] Olha, eu acho que temos, tem muitos... O movimento indígena tem muito o que ensinar e também muito o que aprender ainda. Mas, eu disse anteriormente, eu acho que o movimento indígena, ele tem algo que todos os movimentos sociais no Brasil relata (sic) e admira (sic): é a nossa união, a nossa unidade e o nosso... É essa união que faz com que nós consigamos avançar cada vez mais na pauta da defesa de direitos dos povos indígenas. Então, eu acho que nós temos uma relação entre povos que são distintos, que são diferentes, mas que essa relação é de muito respeito e, principalmente, uma relação quase que... um parentesco de sangue. Nós chamamos todos os indígenas de parentes. Então, é essa união que se dá por esse grau de parentesco, por um objetivo comum, porque temos indígenas com terra demarcadas, mas está (sic) fazendo a luta para demarcar a terra do outro irmão, do outro parente, de outro indígena... que ele nem precisaria estar aqui fazendo... porque a terra dele já está demarcada, mas está aqui se somando porque entende que o nosso bem-viver, o nosso bem-estar, só vai estar completo quando todos os povos indígenas do Brasil tiver (sic) o seu território demarcado e livre de qualquer ameaça. Então, eu destaco aqui algo a ser aprendido por todos: essa união que o movimento indígena tem na defesa dos seus direitos e, principalmente, na proteção dos indígenas para indígenas. 

Ha’aheo [00:27:01] For all of our listeners around the world...  

Marianna [00:27:05] Bom, para todos os nossos ouvintes em todo o mundo, quais são as formas pelas quais nossos ouvintes podem apoiar os movimentos e povos indígenas no Brasil?  

Dinamam [00:27:17] Bom, eu acho que essa é a pergunta que eu mais ouço, principalmente de indígenas que habitam fora do território brasileiro e de apoiadores. Como é que nós podemos ajudar os povos indígenas do Brasil? Existem várias formas, dentre elas: compartilhando e acessando as redes sociais da APIB, compartilhando as informações que a APIB (a Articulação dos Povos Indígenas) vem promovendo e difundindo essas informações por toda... enfim, por todo o mundo. Cobrar dos seus países que se posicionam frente ao governo brasileiro contra um marco temporal, que sejam favoráveis às terras indígenas, à demarcação das terras indígenas, porque essa relação de força também é econômica. Então, se os países ricos e os países começar (sic) a pressionar o Brasil por demarcação, se houver essa pressão para que não haja acordos econômicos a não ser que demarque as terras indígenas; e cobrar maior investigação dos assassinatos, que, de fato, sejam elucidados os fatos quando ocorrer a morte de indígenas assassinados. E, principalmente, eu acho que essa rede que nós criamos hoje, a rede entre povos indígenas, essa aliança entre todo mundo, é colaborar e ajudar os povos indígenas na sua principal atividade, que é a proteção territorial. E isso tem feito, sim, a diferença. E aí muitas pessoas falam: “Ah, mas o que é que eu tenho a ver com a demarcação de terras indígenas no Brasil?”. O que você tem a ver é que 83% da biodiversidade do mundo está dentro das terras indígenas. Então, comprovadamente nós fazemos essa proteção: não só os indígenas do Brasil — isso é no mundo. Então, isso sim, acaba beneficiando a todos. Repito, eu acho que temos que fazer essa grande rede que nós temos, de proteção, de tudo, né? É a gente se somar e fazer essa grande frente contra essas grandes corporações, contra esse poder econômico e do capital que querem destruir as terras indígenas. E isso, temos várias formas de fazer: cobrando das empresas, cobrando de governos e, principalmente, cobrando do governo brasileiro para que possa demarcar as terras indígenas no Brasil. Eu queria, só pra finalizar, dizer que os povos indígenas têm feito uma luta no Brasil (e também fora do Brasil) de proteção, dando sua própria vida pelo território, pela biodiversidade, por aqueles que não podem falar (que são os animais, os rios, as árvores); que tentam nos derrubar a todo custo. E aqueles que querem nos matar, que tentam nos matar, que tentam apagar nossa história não têm conseguido — porque é a nossa união, é a nossa força, é a nossa essência enquanto segmento específico e diferenciado de toda a humanidade. Temos feito e temos contribuído de uma forma que o mundo tem enxergado a gente como parte da solução para conter essa crise climática. Então, munido disso, a importância desses espaços de discussão, como nós estamos tendo aqui agora, é para que todos tomem conhecimento da nossa luta e que colaborem, que ajudem e compartilhem. Às vezes, compartilhar já ajuda bastante. As denúncias que são feitas pela articulação, e os trabalhos que nós estamos realizando dentro dos territórios. E o momento nosso agora é, também, de agradecer esse espaço e dizer que vamos seguir à frente lutando para garantia do direito dos povos indígenas, para a garantia do bem-viver, pela proteção territorial. Em nome dos povos indígenas, mas para salvar toda a humanidade. Obrigado.   

Ha’aheo [00:31:14] (agradece em sua língua)  

Marianna [00:31:18] Muito obrigada por essa conversa maravilhosa, Dinamam, obrigada por todo o trabalho que você faz. Eu estou muito grata por você ter vindo aqui na Seedcast.   

Ha’aheo [00:31:26] I am just so grateful that you are coming here onto Seedcast...   

Marianna [00:31:30] Estou muito feliz que a gente teve essa conversa.  

Ha’aheo [00:31:32] I’m so happy that we got to have this conversation.   

Música-tema [00:31:36] (instrumental)  

Marianna [00:31:46] Obrigada por nos escutar, e obrigada ao Dinamam Tuxá por compartilhar seu conhecimento e histórias. Você pode encontrar a APIB no Instagram e em outras mídias sociais. Procura por APIB oficial, A-P-I-B. Esse episódio foi produzido e mixado por mim, Marianna Romano, e Jenny Asarnow. A Ha’ahaeo Auwae-Dekker fez a entrevista com o Dinamam Tuxá e você ouviu a minha tradução. Tradução adicional por Leslie Benzakein. O texto introdutório sobre o Acampamento Terra Livre é de Idjahure Kadiwéu. Obrigada a Maria Fernanda Ribeiro e Nara Baré pelo apoio nesse episódio e obrigada a todos da APIB pelo seu trabalho a serviço dos direitos indígenas. Nia Tero é uma fundação baseada em Seattle. Somos povos indígenas e não indígenas com a missão de garantir a tutela indígena para todos os ecossistemas vitais. Isso significa que fornecemos apoio aos povos indígenas em todo o mundo que estão protegendo suas terras da colonização e destruição. Suas práticas são um dos nossos melhores guias para tornar a Terra habitável para as próximas gerações. Aqui no Seedcast, nossos convidados representam a si próprios. Eles não refletem necessariamente as opiniões da Nia Tero. Honramos as suas perspectivas honestas e experiências vividas. Saiba mais em niatero.org.